A FALTA QUE NOS MOVE
No começo de A Falta que Nos Move, a estrutura de pessoas que se reúnem em uma casa e, ao longo da noite, revelam a podridão, me fez pensar em Festa de Família. Mas o filme de Christiane Jatahy, adaptado de sua própria peça teatral, mostra uma diferença de proposta fundamental: a reunião daqueles personagens/atores é filmada tem diversas brincadeiras entre realidade e interpretação, muito diferente do processo cristalizado como cinema de Thomas Vintenberg.
Cinco atores (Cris Amadeo, Dani Fortes, Pedro Brício, Kiko Mascarenhas e Marina Vianna) são trancafiados em uma casa, filmados ininterruptamente por 13 horas e seguindo um roteiro com tópicos.
Uma primeira leitura possível é a do jogo cinematográfico. Não sabemos muito bem se uma relação amorosa aconteceu mesmo, se o irmão de um deles é contrabandista, se a outra realmente não liga pro comunismo. Enfim, uma brincadeira metalingüística de revelar a presença da câmera, o que dá ao filme um ar de realidade, com elementos ficcionais.
Essa bifurcação leva a uma possível segunda leitura, a da experiência vivida pelos cinco atores. Fica claro que parte dos traumas e questões levantadas durante a noite diz respeito à vida deles. Até onde vai a exposição e a vulnerabilidade? A Falta que nos Move reflete também sobre o exercício do ator.
Ultrapassadas essas duas leituras, o filme vai para aonde? Esbarra no exercício metalinguístico de uma experiência vivida e em uma tentativa de negar a representação como cópia da realidade.
Até chegar às duas longas sequências finais, potentes por trazer o descontrole em nível estratosférico, o filme de Christiane Jatahy precisa de um imenso arco dramático para, no fim, provocar a catarse. Mas, até chegar à esperada e frenética resolução, A Falta que nos Move depende das piadas e pequenas viradas que tiraram aos poucos a minha paciência.
Nesse percurso, a iluminação e fotografia de Walter Carvalho (Budapeste), compõem um elemento de sofisticação no filme. Depois dessas leituras, o que resta de A Falta que nos Move é uma reafirmação da necessidade de viver experiências radicais, a defesa da amizade, o vazio e o registro da necessidade do ator em trazer elementos pessoas para o seu trabalho. Mas isso não é novidade.