A GANGUE
A violência de A Gangue definitivamente não é para qualquer um. O retrato cru e ousado do diretor Myroslav Slaboshpytskiy foge do convencional logo na forma: não há qualquer diálogo nas mais de duas horas de cenas chocantes e que causam certo desconforto. Sua ousadia vem rendendo prêmios por onde aparece – o mais importante deles no Festival de Cannes deste ano.
O protagonista é Sergey, um jovem que entra em uma escola para surdos-mudos mantida pelo governo na periferia de uma cidade ucraniana qualquer. Para se enturmar com os colegas, ele percebe que terá que se inserir em uma gangue que funciona internamente, a The Tribe. Pequenos crimes, prostituição e bullying são comuns na rotina desses alunos, que vivem em um ambiente hostil e marginal.
A iniciação do personagem dentro desse universo também é a introdução cena a cena do espectador nessa realidade marcada pela crueldade, construção que é feita seguindo a base do cinema independente: câmera na mão, atores não profissionais, sexo explicito. A lógica é corrompida quando Sergey se apaixona pela namorada do líder da gangue, o que causa uma onda de violência que culmina em uma cena final que já é uma das mais chocantes do cinema nos últimos anos.
Há várias virtudes em A Gangue, a começar pela capacidade que o diretor apresentou de emergir o espectador dentro daquele universo tão brutal. Mesmo sem qualquer linguagem verbal, o gestual que os personagens usam para a comunicação acaba criando uma tensão crescente, nos colocando na função de voyeurs desse mundo tão cru.
O som seco das brigas e a falta de qualquer voz contrastam com os gritos que ecoam em sua melhor sequência: retratado como um ritual, o aborto clandestino praticado por uma das personagens é criado diante dos nossos olhos com uma frieza assustadora. Prepare-se para cobrir os olhos e ouvir os gritos em sua cabeça por dias.
A Gangue tem a marca da experimentação, mas os pés no chão que nos permite ver sentido no meio de todo este caos.