AS CANÇÕES
Os filmes de Eduardo Coutinho têm uma vigorosa capacidade de ir fundo nas nossas dores e amores. Jogo de Cena estabeleceu um outro paradigma na representação documental. Dali em diante, os filmes de Coutinho só precisam desfrutar do caminho que ele mesmo construiu. As Canções é mais um que consegue ir fundo no que somos. A Música Popular Brasileira (MPB) é a chave de acesso às nossas vidas.
Na mesma estrutura do filme de 2007, este documentário colhe pessoas que constroem a narrativa de suas vidas no palco de um teatro. Cortinas e cadeira pretas. Gestos discretos da câmera: um zoom aqui, um enquadramento mais aberto ali. Gente de verdade que conta o que determinada música representa em suas vidas.
Para quem encontra na MPB, a mais rica entre as músicas populares do mundo, a narrativa das próprias vidas, As Canções é encantador. Para quem se interesse pelas raízes dos sentimentos humanos (os nobres e os nem tanto), o documentário é sedutor.
Dessa vez, Coutinho, que já confabulou sobre o processo de realização também com Moscou e Um Dia na Vida, dá à música diversas dimensões: narrativa de uma vida, instrumento que dá sentido e norte, remédio que cura perdas e feridas, celebração de estar vivo e amando, alternativa para encontrar as palavras que racionalmente nos faltam. Nenhuma outra música popular do mundo como a brasileira dá conta, com qualidade, de tudo isso.
No Festival do Rio, quando As Canções foi escolhido Melhor Documentário pelo júri e público, o diretor argumentou. “Não penso no público, penso em mim. Meu filme é uma homenagem a todo tipo de música e a ilustres desconhecidos, os tidos de mau gosto”. Mais um exemplo de que, quando falamos do que sentimos, falamos sobre nós mesmos de maneira generosa – não confundir com verborragia egoica –, é possível falar de e para muitos outros.
A música é isso, assim como o cinema. As Canções está à altura dela.