CÉSAR DEVE MORRER
O que separa o cinema do teatro e ambos da realidade? César Deve Morrer, novo longa dos veteranos irmãos Taviani, quebra todas estas barreiras ao levar para as telonas toda a energia dos palcos, em um ensaio sobre como a atuação pode mudar a vida de uma pessoa.
A já tão explorada obra de William Shakespeare ganha um novo olhar, algo mais denso e real. Ao invés de atores consagrados do cinema italiano, o enredo enfoca uma peça encenada por detentos do presídio romano de Rebibbia.
Esta escolha causa uma humanização dos personagens e traz o espectador para perto de figuras míticas como César, Brutus e Cassio. Em bom português, quando pensaríamos em ver grandes nomes da história, sempre apresentados de maneira distante e com recalques, sendo interpretados por ex-traficantes e mafiosos?
Tal ambientação já parece algo empolgante, mas o talento do elenco sobressai tudo isso. Destaque para Juan Dario Bonetti, como Decio, e Salvatore Striano, no papel de Brutus; as atuações são tão sinceras que chegam a confundir o público. Elementos da peça original e o dia a dia da prisão se misturam para levar Shakespeare ao século XXI.
A trama não poderia ser mais real e os irmãos Taviani foram apenas o estopim para que ela chegasse ao grande público. Tudo começou quando os cineastas foram convidados a assistir uma versão de Divina Comédia, de Dante Alighieri, encenada pelos detentos. Maravilhados com o que tinham acabado de ver, eles conheceram Fabio Cavalli, um amante da sétima arte, que há mais de dez anos ensina teatro em Rebibbia, por meio de um projeto social.
A partir daí o que vemos é o roteiro do filme. Cavalli, interpretando ele mesmo, seleciona e dá corpo ao talento de dezenas de homens atrás das grades. De fora, os Taviani adaptam todo o material e transformam o que seria um documentário e um belíssimo longa de ficção.
Os diálogos de época dão um tom poético que conflita a todo momento com a realidade de cada um dos personagens. Afinal, além de figuras lendárias, estes italianos também vivem a si mesmos, cada um com a sua personalidade. Os mais diferentes estilos, sotaques e peculiaridades são expostos de maneira nada convencional.
Em resumo, todos têm seus méritos nesta produção, que possui apenas um ponto negativo: a sua curta duração, 76 minutos, fazendo com que algumas passagens clássicas sejam apresentadas com um ritmo um tanto acelerado.
César Deve Morrer é a prova de que os irmãos Taviani ainda conseguem manter um alto nível nas telonas, não é à toa que o filme foi o vencedor do Urso de Ouro em Berlim 2012. Em tempo, vale citar que graças ao projeto, alguns detentos conseguiram a liberdade e seguiram com suas carreiras, criando uma identidade política, mesmo que fora dos moldes tradicionais do cinema.