DE CORAÇÃO ABERTO
O título De Coração Aberto consegue enganar. Se lido como uma metáfora, pode indicar amor, perdão. Mas, interpretado literalmente, dá uma sensação pouco agradável a quem imaginar o músculo partido ao meio. Essa dualidade pouco genial diz respeito à trama sobre o relacionamento de um casal de cirurgiões cardiovasculares.
A centrada Mila (Juliette Binoche) é casada com Javier (Édgar Ramírez) há dez anos no longa coescrito e dirigido pela francesa Marion Laine. Trabalhando no mesmo hospital, eles dividem uma rotina aparentemente muito mais empolgante do que a maioria dos casais. Cenas dos dois correndo pela casa ou jogando ping-pong feito adolescentes mostram uma felicidade possível, mas pouco fundamentada.
O casal aparenta ter acabado de se conhecer. Apesar da boa química entre os atores, que não tiveram muito tempo para ensaiar antes do filme ser rodado, a relação parece superficial. Tal sentimento permeia toda a trama, prejudicando seu desenvolvimento.
Quando uma gravidez indesejada cruza o caminho dos dois, temos a frieza preconcebida de uma médica. Mila pensa prontamente no aborto, mas encontra a resistência do marido, que deseja mudar de país e manter a criança, mesmo quando a esposa enfrenta uma gravidez de risco. Assim, nasce o conflito.
As cenas de discussão são as melhores: garrafas voam pela janela e a pobre criança que nem veio ao mundo é chamada de “embrião” pela mãe e “larva” pelo pai. A atuação de Juliette Binoche com sua personagem caminhando no limiar entre a força adquirida na profissão e a fragilidade maternal crescente merece destaque. Édgar Ramírez vive intensamente o transtornado Javier.
O personagem tem seu alcoolismo amplificado ao longo da gravidez da esposa e mostra-se uma pessoa completamente instável – inclusive para manter um relacionamento de dez anos. O ciúme crescente em relação à Mila, tanto em termos profissionais quanto pela atenção perdida para o bebê, leva os dois a uma competição incessante sobre quem está certo ou errado.
Apesar da trama frágil, o filme emociona com seu desfecho simbólico. Em uma espiral decrescente, a personagem de Binoche torna-se cada vez mais solitária durante a gravidez ao lado do marido egoísta. Alguns detalhes da produção, como a fotografia em cenas pouco iluminadas, dão um aspecto interessante ao longa.
Talvez os diretores franceses estejam traduzindo um sentimento em ascensão no país historicamente inclinado para a liberdade pessoal: de que os filhos são um empecilho ao desenvolvimento. Outro filme lançado recentemente, Um Evento Feliz, trouxe a mesma temática: um casal com a vida destruída pelo nascimento.
Se o cinema está sendo o reflexo de uma geração individualista, caberá a um olhar futuro responder. Mas, como obra de arte ou entretenimento, De Coração Aberto não impressiona, apenas cumpre o seu papel.