ELA
Her poderia ser um filme apenas sobre Ela, mas é sobre todos os relacionamentos - mais precisamente, incide na linha que os amarra e também os destrói: a comunicação. Num estilo retrô-futurista, indie-deprê, e sujeito a tantas outras denominações porque é pop até o osso, o novo longa de Spike Jonze se mostra uma das obras mais bonitas e sensíveis dos últimos tempos.
Esteticamente, tem uma direção de arte perfeccionista baseada em cores marcantes, além de um trabalho delicado de fotografia. A trilha sonora composta por Arcade Fire e canções interpretadas pelos protagonistas - com direito a ukulele - tocam de forma nostálgica e compõe um filme que, certamente, ganhará o público alternativo, assim como o fez Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças.
Theodore, personagem vivido pelo ótimo Joaquin Phoenix, divide a vida entre escrever belas cartas por encomenda, jogar videogame e acessar chats para conhecer garotas. Até conhecer um novo Sistema Operacional, o qual configura com o nome de Samantha.
O mérito do argumento está em colocar o processo de evolução humana também na SO, mas em um nível muito mais avançado em termos de conhecimento e de emoções. Ler um livro em fração de segundos e apreender experiências emocionais para toda a vida são passos simples para ela, configurada em sua base a partir de informações de Theodore.
Scarlett Johansson surpreende dando vida à essa voz. A atriz não era a primeira opção de Jonze, cuja escolha inicial se dirigiu a uma desconhecida por parte do grande público. Essa mudança impactou todo o imaginário do filme, construído em torno da figura de Scarlett com seu papel de musa no mundo real.
+ Entenda o efeito de Scarlett Johansson em Ela
O fato de não possuir um corpo torna complexa a relação dos protagonistas, o que leva a SO a ter ciúmes e até planejar um ménage à trois numa das sequências mais interessantes do filme. Imagine só uma terceira pessoa tentando intermediar essa situação impossivelmente carnal?
Se pensarmos que ninguém é o que mostra num perfil das redes sociais, por exemplo, a passagem se assemelha à decepção do que sai da tela para a realidade. Mais do que mera ficção científica, a graça de Ela está em ser uma grande metáfora.
Essas limitações do corpo remetem às limitações da morte na medida em que a possibilidade de comunicação nos moldes conhecidos vai desaparecendo. A relação fica evidente em uma das últimas falas de Samantha.
Mas qual a importância corpo? Qual seria o parâmetro para julgar o real? Amy (Amy Adams), amiga de Theodore, coloca exatamente esse ponto ao pensar na paixão como uma forma de loucura. E os SOs também têm seu próprio mundo. Theodore nunca alcançará a comunicação pós-verbal de Samantha e ela nunca lhe será exclusiva, pois a tecnologia se espalha rapidamente.
Na trama, o protagonista está em um processo de separação da esposa Catharine (Rooney Mara) e as passagens nas quais recorda a ex são extremamente bonitas pois geram reflexões acerca da evolução necessária do outro e como, faltamente, os dois tornam-se estranhos e dispensáveis.
Ao aproximar a tecnologia dos sentimentos mais humanos possíveis, Ela deixa de lado julgamentos e evidencia os limites da realidade a partir da percepção de cada um. Além disso, não importa o tipo de material - nada dura para sempre.