ENTRE NÓS
A vida real é a antítese de um livro de autoajuda. E o filme que Paulo Morelli (Cidade dos Homens) escreveu - e dirigiu ao lado do filho Pedro - também. Os personagens muito bem construídos de Entre Nós são reais, cheio de particularidades e conflitos existenciais como são as pessoas de verdade - essas que os manuais da felicidade ignoram. E levar estes tipos distantes de estereótipos e cheios de autenticidade às telas é um dos muitos méritos desse drama visceral com pitadas de suspense.
O ano é 1992. Numa casa de campo localizada nas montanhas um grupo de amigos se diverte e sonha com o futuro. Dois deles, Felipe (Caio Blat) e Rafa (Lee Taylor), fantasiam a carreira de escritor e discutem os esboços de seus primeiros romances entre um gole e outro. Lúcia (Carolina Dieckmann) e Gus (Paulo Vilhena) vivem uma história de amor, assim como Cazé (Júlio Andrade) e Drica (Martha Nowill). Silvana (Maria Ribeiro) é a dona da casa, uma entusiasta das aspirações literárias de Felipe e Rafa.
No encontro, decidem escrever cartas endereçadas a eles mesmos e que deverão ser abertas dez anos mais tarde. No mesmo dia, uma fatalidade acontece e os fatos que seguem vão marcar o grupo para sempre. Mas apesar de Entre Nós sustentar um clima de apreensão desde o início, uma sensação de incômodo, de que algo não vai bem – graças ao bom trabalho de câmera e trilha sonora -, a verdade só será desenterrada em 2002.
O bom é que esta verdade vai muito além do mistério que envolve a publicação de um livro. Ela tem a ver com a vida, com as frustrações cotidianas, com a dureza de reconhecer que muitos de nossos anseios pessoais simplesmente não se realizam. E estas constatações duras surgem em cenas muito bem construídas e com ótimo aproveitamento do elenco, como quando os personagens de Paulo Vilhena e Martha Nowill travam um diálogo cheio de intensidade a partir de um acontecimento trivial.
Outras cenas tão vigorosas quanto se alternam, todas sutis, bem filmadas e atuadas. Elas revelam tanto sobre estes personagens de muitas camadas que a leitura das cartas passa a ser detalhe. O que eles escreveram na verdade pouco importa, mas sim suas realidades diante desse pedaço de passado a lhes esfregar as frustrações na cara. E o melhor: Paulo Morelli não aliviou a mão nos minutos finais, que deixa muitas reflexões no ar e certo desalento.