FALCÃO NEGRO EM PERIGO
É um dos próprios personagens principais que admite: “Se alguém me perguntasse qual o significado disso tudo, eu não responderia, porque ninguém entenderia.” O pensamento resume a filosofia tanto de Falcão Negro em Perigo como de vários outros filmes de guerra produzidos pelo país mais bélico do mundo: não há – mesmo - qualquer tipo de explicação. O cinema dos Estados Unidos tenta repetidamente vender a imagem dos norte-americanos como guardiões implacáveis da democracia e da ordem mundiais, mas só conseguem convencer os próprios conterrâneos. Faz tempo que o resto do planeta não cai mais neste conto de fadas paramilitar.
Agora, o Lobo Mau é a Somália. Para o público médio norte-americano, que não conhece a diferença entre Xangai e Sushi, isso não tem a menor importância.
Falcão Negro em Perigo é baseado numa desastrosa operação militar ocorrida em 1993, quando centenas de soldados do Tio Sam se auto-armadilharam entre rebeldes revolucionários nas ruas de Mogadício. Foram mais de 18 horas de tiroteios, mortes, carnificinas e estratégias equivocadas. O que o filme faz é reduzir todas estas horas para 143 minutos, utilizando, é claro, o que há de mais avançado em recursos visuais. É como se o diretor do filme, Ridley Scott, retornasse à sua arena dos gladiadores romanos do ano passado e refilmasse, agora com soldados, os horrores da matança dos bárbaros. Com uma grande diferença: Falcão Negro em Perigo não tem um milésimo do conteúdo e da emoção de Gladiador.
Ao final dos cansativos 143 minutos de balas zunindo pelas cabeças da platéia, os letreiros finais tentam justificar o injustificável. Como num orgulhoso placar de horror, o público é informado que na operação morreram 19 americanos, contra mais de mil somalis. Na mórbida contabilidade militar, aqui endossada para o cinema, isto tem cheiro de vitória.
6 de março de 2002
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Celso Sabadin é jornalista e crítico de cinema da Rádio CBN. Às sextas-feiras, é colunista do Cineclick. celsosabadin@cineclick.com.br