HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO
Crítico de cinema não deixa de ser público; ao menos não deveria. Mesmo esquadrinhando o filme atrás de eventuais problemas, sua porção espectador está lá torcendo por uma boa história com a qual se aprazer. E quando as imperfeições não surgem e o olho treinado nada vê, o contentamento só amplifica. Se a produção for nacional, como Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, rola ainda aquela pontinha de orgulho.
O cineasta paulista Daniel Ribeiro consegue a proeza em seu longa de estreia. O filme nasceu do curta-metragem Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010), que amealhou os prêmios do júri oficial, da crítica e do público no Festival de Paulínia. A adaptação para a versão de longa-metragem não fica atrás. De roteiro impecável e dirigido com ternura, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um relógio suíço de precisão inequívoca.
O protagonista do filme é Leonardo (Ghilherme Lobo), adolescente cego que sofre bullying por parte de alguns colegas de sala e é ignorado por outros. Sua fiel escuderia é a amiga Giovana (Tess Amorim), a única companheira de classe com quem tem afinidade. Descontente com o cotidiano - que inclui o excesso de atenção dos pais -, o jovem sonha em se distanciar da vida que leva e fazer um intercâmbio. Tudo muda quando começa a descobrir a sexualidade após a chegada de um novo aluno na sua turma: Gabriel (Fabio Audi).
Poucos filmes, nacionais ou internacionais, tratam a manifestação sexual de um adolescente com tanto refino. E a sutileza está no conjunto e não apenas na construção do arco dramático do personagem. Trilha sonora, fotografia, edição e elenco de apoio trabalham em sintonia sutil, mas sempre vibrante. Há uma carga de veracidade permeando a produção que não é difícil esquecer estar diante de uma obra de ficção. Entramos de voyeur numa trecho da vida de Leonardo e ao deixarmos a sala de cinema ele e seus amigos seguem com a gente.
Podia ficar aqui gastando meu vocabulário de adjetivos ou dando mais detalhes do longa, mas isso seria supérfluo num filme em que o prescindível não existe. Ao contar a descoberta da sexualidade de seu personagem central, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho dá um tapa bem dado, daqueles de deixar vergão indisfarçável, no preconceito. Mas tudo isso com uma engenhosidade e argúcia raramente vistas. Em síntese: imperdível.