JUÍZO
Cru e envolvente. Esses são os adjetivos que melhor definem longa-metragem Juízo, de Maria Augusta Ramos. Em tempos de crítica a nossa realidade social, com filmes polêmicos como Tropa de Elite, a opção pelo simples, mas não pelo simplório, agrada.
Juízo aborda a trajetória de menores infratores perante a lei, que estão em julgamento por roubo, tráfico ou homicídio. Como a identificação desses garotos é vedada judicialmente, no filme eles são representados por jovens não infratores, mas que vivem em condições sociais semelhantes. No entanto, todos os demais personagens do longa-metragem, como juízes, promotores e familiares, são reais. As cenas foram filmadas durante audiências na 2ª Vara da Justiça do Rio de Janeiro e visitas do Instituto Padre Severino, local de reclusão dos menores infratores.
Para o elenco, foram escolhidos meninos e meninas cuja realidade retratasse uma pequena parcela da mesma vivida por milhares de crianças e adolescentes que não possuem base educacional, econômica e familiar. Alguns roubam para sustentarem seus filhos, outros matam por terem sido espancados pelo pai ou traficam por vislumbrarem o ganho de status no universo em que estão inseridos. A partir de poucas cenas de julgamento, cruas e simples, Juízo consegue suscitar grandes questões e estabelecer complexos personagens da realidade brasileira atual.
O recurso de utilização de outros adolescentes na representação dos menores que foram julgados podia soar forçado, mas a edição e montagem da própria diretora e de Joana Collier fazem com que tudo ocorra de forma natural. A figura da juíza, Luciana Fiala, deixa transparecer a consciência sobre as possibilidades da Justiça em salvar aqueles menores são ínfimas, mas, mesmo assim, usa ironias e sermões incisivos em seus interrogatórios. O espectador vê certa esperança nessa juíza, mas também se depara com frases nas quais ela confirma a realidade brasileira totalmente distorcida, como quando, por exemplo, Luciana diz a um garoto que, em vez roubar, poderia vender balas nas ruas. O equivocado também passa a ser uma opção.
O ritmo do longa é ditado pela esperança dada ao espectador e retirada logo em seguida e mesmo a falta de dinamicidade em algumas cenas é quebrada pela força da história e do depoimento de cada adolescente. Além disso, as cenas das celas das instituições e das favelas ampliam o universo com o qual o documentário dialoga. Cada menor recebe sua sentença, com a possibilidade de acompanhamento e melhoria de sua condição psíquica e social, mas o processo de reabilitação não é eficaz. É como se Juízo simulasse sutilmente no espectador o processo de perda de esperança daquele jovem que ali está.
É nesse sentido que defendo o simples como eficaz. Não que produções caprichadas como Cidade de Deus, Cidade dos Homens - O Filme e Tropa de Elite não sirvam para uma análise mais profunda da nossa realidade. Mas, às vezes, o clima ficcional, o peso de atores famosos e a trilha sonora elaborada seduzem o espectador de uma maneira que, depois de algum tempo, a essência reflexiva do filme acaba se perdendo.
Juízo, seleção oficial do Festival Internacional de Cinema de Locarno, é o segundo filme de Maria Augusta Ramos, que se apresenta como uma crítica ao sistema penal brasileiro. Em 2004, a cineasta lançou Justiça, que recebeu nove prêmios internacionais de Melhor Filme, entre eles: Grand Prix no Festival de Cinema Visions du Réel e La Vague d'Or no Festival Internacional de Cinema de Bordeaux, na França.