MILAGRE EM JUAZEIRO
Concluído em 1999, somente agora o filme cearense Milagre em Juazeiro consegue espaço para seu lançamento nos cinemas de São Paulo. A trama reconstitui o episódio que deu origem a um dos mitos mais fervorosos da cultura religiosa brasileira: o do Padre Cícero. No final do século passado, Cícero Romão Batista (José Dumont, de Kenoma) era o pároco responsável pela comunhão dos fiéis nas missas realizadas em Vila Juazeiro, no sul do Ceará. Durante uma cerimônia, a hóstia dada à beata Maria de Araújo (Marta Aurélia), uma costureira negra, pobre e analfabeta, teria se transformado em sangue. Logo se falou em milagre, para o descontentamento de setores mais conservadores da Igreja. A notícia chegou até aos ouvidos do papa Leão XIII. A partir deste polêmico acontecimento, o Padre Cícero passou a ser venerado pelos fiéis e perseguido pela própria Igreja Católica. Atualmente, mais de cem anos após o ocorrido, a cidade de Juazeiro é visitada por romarias que ao longo de todo o ano levam mais de dois milhões de fiéis ao santuário. Ali, mais de 2 mil pontos de venda comercializam imagens e artigos religiosos.
Milagre em Juazeiro desenvolve-se em dois níveis bem distintos, misturando documentário com dramatização. Além da reconstituição ficcional, o filme documenta as romarias e festas populares religiosas e apresenta depoimentos de religiosos e pesquisadores sobre o acontecido. O lado documental é melhor. A tela grande dá a verdadeira amplitude da devoção que o nordestino tem pelo seu “santo” maior. As romarias, demonstrações de fé, o fanatismo, as crendices dos romeiros, tudo isso é exposto de maneira impressionante pela câmera de Wolney. Enriquecedor, o aspecto documental ainda levanta importantes questões sobre a atuação política de Padre Cícero na região. O filme humaniza um personagem que nos acostumamos a ver apenas como uma grande estátua branca.
A parte ficcional deixa a desejar, com interpretações exageradas e uma direção que beira o teatral. Na soma, Milagre em Juazeiro deve ser visto por todos que se interessam pela cultura brasileira. Seja em seu aspecto religioso, político ou místico.
6 de novembro de 2001
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Celso Sabadin é jornalista e crítico de cinema da Rádio CBN. Às sextas-feiras, é colunista do Cineclick. celsosabadin@cineclick.com.br