MUNDO INVISÍVEL
"O que é ver?", pergunta uma produtora à garota de 6 anos com albinismo. "É quando você não vê uma coisa, daí chega bem perto dela e consegue", responde a menina. Esse diálogo tão singelo e expressivo se passa no curta de Wim Wenders dentro de Mundo Invisível, no qual 10 diretores se uniram em torno da mesma questão: o que seria enxergar, de fato?
A convite da Mostra Internacional de Cinema, o visível e o invisível na modernidade foram enquadrados por cineastas de peso, com ênfase no discurso. A estética às vezes ganha, às vezes causa desfalque. Olhares fictícios e reais se misturam em passagens com diferentes níveis de impacto.
Pontos de São Paulo, muitas vezes perdidos no meio do dia a dia acelerado e barulhento, ganham destaque. No capítulo do Cemitério da Consolação, as obras de arte dos túmulos são envoltas por música erudita entrando numa dança dissonante em contraste com a atualidade; no Parque Trianon, Índios reconhecem a flora de sua região em meio à selva de pedra.
As relações interpessoais não poderiam ficar de fora, ainda mais no contexto da cidade um tanto desumana na hora do rush, quando ser atropelado por seres humanos e passar por cima dos outros gera um ciclo de raiva e cansaço bem conhecido. Do Visível ao Invisível, de Manoel de Oliveira, traz o criador da Mostra, Leon Cakoff, tentando dialogar enquanto o celular exige atenção de seu personagem.
Em outro grande momento, o discurso inflamado de um pastor irrompe no metrô e contrasta com a falta de vida das pessoas voltando do trabalho. A passagem dirigida por Theo Angelopoulos ganha força perturbadora ao ser enquadrada.
A invisibilidade subjetiva também integra a série de episódios, talvez o melhor deles. Laís Bodanski (Chega de Saudade) aborda o conceito de ator invisível, falando com quem exerce essa arte e indo além do limite físico. A conhecida monja Coen traz a ideia da desconstrução do "eu" para honestidade da expressão artística. Ou seja, o ator deve despir-se de si mesmo para encarnar algo maior; o espectador deve ver a lua inexistente no palco, não quem aponta.
Para fechar essa série de registros contemporâneos, Atom Egoyan narra sua viagem à Armênia, em 1988, para cumprir a promessa à mãe e tentar o localizar o próprio avô. O genocídio dos armênios, em 1915, une-se aos filmes mudos do país para ressuscitar um passado doloroso e atemporal, apenas adormecido pelos anos.
Mundo Invisível oscila entre momentos certeiros e alguns quase amadores. Passagens pouco impactantes com atuações fracas tornam o conjunto cansativo mas, no geral, ele deixa seu rastro e coloca a invisibilidade apática em frente aos nosso olhos. E, para um projeto despretensioso, alçou um belo voo.