O ABISMO PRATEADO
A desilusão amorosa, na maioria das vezes, é um abismo prateado. Abandonados, não mais desejados por quem amamos, caímos, perdemos o chão, mergulhamos no precipício. E é lá no fundo do poço, quando não há mais como descer, que vemos o brilho cintilante que prenuncia a superação, a inevitável volta por cima.
É neste despenhadeiro sentimental que mergulha a personagem Violeta (Alessandra Negrini). Ela é uma dentista carioca, casada com Djalma (Otto Jr.) e pai de um adolescente. Seu marido vai abandoná-la subitamente, de forma covarde, e o que era sólido na vida desta mulher vai se desmanchar no ar.
A cena que marca a implosão repentina dos alicerces sentimentais de Violeta é cinematograficamente eloquente: na academia de ginástica, diante do espelho, ela faz exercícios e mostra segurança no olhar e expressão corporal. Minutos depois sua integridade é aniquilada quando ouve uma mensagem na caixa postal do celular.
A partir daqui O Abismo Prateado sobressai graças ao talento de Alessandra Negrini, expressaando o impacto avassalador da perda afetiva em sua vida, e do diretor Karim Aïnouz, captando esses momentos com grande habilidade e delicadeza. Como o roteiro de Aïnouz em parceria com Beatriz Bracher busca uma experiência sensorial e pouco discursiva, coube à Alessandra manifestar fisicamente sua dor e ao cinema de Aïnouz buscar os melhores instrumentos narrativos para evidenciar esta descida vertiginosa da personagem.
Além das boas e verossímeis situações criadas pelo roteiro, que foge habilmente do lugar-comum, destaca-se no filme o uso engenhoso do som como recurso narrativo. A ótima edição sonora destaca ruídos do cotidiano tornando-os incômodos, como que alaridos para os ouvidos de alguém vivendo momento tão sensível. Violeta os sente, é importunada por eles, assim como o espectador que, por essa hora, já está totalmente imerso na realidade desta mulher.
Quarto longa-metragem do cearense Karim Aïnouz (de O Céu de Suely e Madame Satã), O Abismo Prateado é livremente inspirado em Olhos nos Olhos, música de Chico Buarque. No filme, quando os versos "Quando você me deixou, meu bem / Me disse pra ser feliz e passar bem / Quis morrer de ciúmes. Quase enlouqueci / Mas depois, como era de costume, obedeci" aparecem são na voz da cantora paulista Barbara Eugênia e sbo novo arranjo.
Para os fãs da música e de Chico é importante deixar claro: apesar de levar a canção em sua trilha, o longa não é uma versão cinematográfica de Olhos nos Olhos. Esta fala de um reencontro, de um acerto de contas. O franco e espontâneo filme de Aïnouz nos convida a atravessar a noite acompanhando uma mulher fustigada pela opressora dor do desamparo. E o melhor: O Abismo Prateado raschunha a emoção e não a desenha em detalhes para o espectador.