O INFERNO DE HENRI-GEORGES CLOUZOT (2009)
Em 1964, Henri-Georges Clouzot, cineasta de bons filmes e orçamentos modestos, bolou um projeto “estrambólico”. Caminhões de dinheiro da Columbia Pictures, a linda estrela Romy Schneider, cerca de 150 pessoas na equipe e uma ideia na cabeça: L’Enfer, um filme sobre um marido cujo ciúme neurótico o fazia enxergar uma realidade corrompida, deturpada, de cores bizarras, onde tudo era suspeito.
Após três semanas de muita tensão, exageros e criatividade, as filmagens foram interrompidas. Como saldo, restaram a fuga do protagonista, Serge Reggiani, que alegou doença, e um infarto do diretor. Também sobraram 15 horas filmadas e outras 30 de material sonoro registrado.
Inferno vem resgatar esta história, entrevistar profissionais envolvidos nas filmagens e apresentar ao espectador a potência das imagens multifacetadas captadas por Clouzot. Não vale a pena contar a saga entre roteiro e interrupção abrupta do projeto, já que o documentário de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea está aí para isso.
Mais interessante pensar sobre temas a partir do filme. O primeiro é o limite para mergulhar em uma história, seja dos atores ou do diretor. Clouzot já tinha atravessado uma depressão forte e sabia o que é uma neurose em escala doentia. Para fazer L’Enfer, mergulhou em seus próprios sentimentos para encontrar imagens-síntese da loucura.
Conseguiu experimentar e conceber quadros assustadores, que falam do expressionismo e esbarram na pop art. Imagens organizadas como uma tempestade. Por outro lado, sua própria neurose, aliada a outros fatores que Inferno elucida, chegou a níveis impossíveis de administrar. A arte como função inversa à terapêutica. Mergulhar nas dores, a partir do cinema, dá coisas boas e ruins.
Inferno também passa perto de uma crítica interessante ao trabalho de Clouzot: sua meticulosidade e preciosismo. O depoimento de Constantin Costa-Gavras no documentário coloca o cinema de Clouzot em frente oposição à Nouvelle Vague. Passagem rápida, mas que ajuda a entender o que significa um filme como L’Enfer em meados dos anos 60.
Mas algo incomoda no resgate de Bromberg e Medrea: o desenvolvimento do filme. Uma narração em off de Bromberg narra como ele chegou aos rolos filmados por Clouzot. Em seguida, faz uma necessária apresentação das pessoas envolvidas com o projeto e a busca incessante do cineasta em encontrar as imagens perfeitas para representar a neurose. Depois disso, Inferno mergulha numa sequência de depoimentos que só reiteram o que já ouvimos, segurando-se apenas quando apresenta as imagens registradas e montadas como Clouzot gostaria.
Os depoimentos, nesse momento, são meros figurantes desnecessários para alinhavar L’Enfer. O documentário engata novamente quando passa a falar da interrupção das filmagens. O ar de desgraça, tragédia e filme maldito dão novo fôlego para Inferno seguir de pé.
Fato é que Bromberg e Medrea prestaram um serviço ao cinema agrupando as imagens e recontando a uma história já relembrada por Claude Chabrol em 1994, quando fez sua própria versão a partir do roteiro de Clouzot. Inferno é um digno resgate, ora com momentos bonitos, ora maçantes.