O QUADRO NEGRO
Na isolada paisagem do Curdistão, um grupo de homens caminha a pé, cada um deles carregando nas costas um grande quadro-negro. A imagem é surreal. No meio do nada, numa pequena estrada coberta de areia e cascalho, aquele grupo parece cumprir penitência. As lousas se assemelham a asas de um vôo que nunca sairá do solo.
Logo o espectador perceberá que aqueles homens que enfrentam o frio e o deserto são professores à procura de alunos. Verdadeiros caixeiros viajantes do ensino, a cata de analfabetos dispostos a aprender os mais simples fundamentos da aritmética ou do idioma. As lousas são suas ferramentas de trabalho. Difícil, porém, será conseguir encontrar alguém disposto a aprender. “A leitura não leva a nada”, diz um dos personagens. “Para ler livros, é preciso ficar parado e por aqui ninguém pára”, conclui.
Reeboir (Bahman Ghobadi, que além de ator é também diretor de Tempo de Embebedar Cavalos), um dos professores, resolve se afastar do grupo e buscar alunos no alto das montanhas. Nesta perambulação solitária, cruzam em seu caminho nômades, contrabandistas, refugiados, pessoas que fazem o que podem para sobreviver naquela região tão conturbada. Passando por diferentes necessidades, o quadro-negro rapidamente assume variadas funções. De maca para o transporte de doentes até um biombo para um pedido secreto de casamento. É coerente. Num lugar onde mal há o que comer, transportar necessitados é mais importante que aprender a ler.
O Quadro Negro é o segundo longa-metragem da jovem (22 anos) cineasta Samira Makhmalbaf, filha do consagrado diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf, que assina o roteiro junto com Samira e também montou o filme. Ela já havia encantado as platéias anteriormente com seu longa de estréia A Maçã, premiado em vários festivais. O Quadro Negro mostra que A Maçã não foi sorte de principiante. O filme segue o estilo minimalista das produções iranianas, ao mesmo tempo em que injeta sangue novo na narrativa. Simples e emocionante, é mais um belo trabalho do Irã que merece ser conferido nos cinema.
O Quadro Negro ganhou os Prêmios Especiais do Júri nos Festivais de Cannes e de Los Angeles.
6 de fevereiro de 2002
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Celso Sabadin é jornalista e crítico de cinema da Rádio CBN. Às sextas-feiras, é colunista do Cineclick. celsosabadin@cineclick.com.br