TABU
Tabu é um daqueles filmes que te deixa perturbado por horas e te faz pensar mil vezes antes de escrever qualquer coisa. Você sai da sala de exibição maravilhado com o belo trabalho do português Miguel Gomes.
O sucesso não vem de agora. O cineasta conseguiu fama ao redor do mundo em 2008, com o multipremiado Aquele Querido Mês de Agosto, eleito o Melhor Longa-Metragem pela crítica na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo daquele ano.
Está claro que talento não falta para o diretor, já que novamente criou um título capaz de agradar ao público e à crítica. Apesar do ritmo lento, o enredo consegue capturar o espectador desacostumado com suas obras e envolver todos os cinéfilos de plantão.
O roteiro é uma releitura do clássico homônimo de 1931, assinado por F.W. Murnau e Robert Flaherty, no entanto existe uma inversão clara de valores. Ambos se dividem em dois capítulos: Paraíso e Paraíso Perdido, o original segue esta ordem, enquanto a produção de Miguel Gomes caminha na direção contrária.
A primeira parte de Tabu (2012) é situada na Lisboa contemporânea e apresenta a personagem Pilar, uma mulher de meia idade engajada em diversas causas sociais. De início, acredita-se que ela será o centro da trama, mas logo percebemos que o foco é sua vizinha, uma idosa viciada em jogos, com ideias mirabolantes, beirando a loucura.
Esta é Aurora. De rotina solitária, divide o apartamento com sua empregada cabo-verdiana Santa, uma mulher “linha dura” que segue à risca as orientações da filha de sua patroa. Aliás, o humor não proposital de Santa é o ponto alto do primeiro capítulo. Com respostas secas, ela consegue estabelecer grandes transições entre comédia e drama.
Graças a um delírio da idosa conhecemos o seu antigo amante: Ventura. Ele é o responsável por iniciar um grande flashback ao paraíso dos dois, a África Colonial. Nesse segundo momento, o filme deixa a comédia de lado e assume uma postura mais dramática. A narrativa agora é outra, a voz de Ventura convida a todos para descobrir os pecados do casal e os motivos que culminaram em sua expulsão deste local.
Destaque para a edição de som primorosa. Existe um rigor técnico e poético absurdo, digno de admiração. Em muitos momentos o áudio dos personagens é retirado da tela, restando apenas o som ambiente e os movimentos dos lábios. O entendimento da história não é prejudicado e, pelo contrário, torna-se até mais claro e vigoroso. A trilha sonora, composta por ritmos africanos e até uma balada dos Ramones, ajuda você a mergulhar no roteiro.
O longa foi filmado de maneira pouco usual para os padrões atuais: em janela 4:3, com um granular diferenciado e totalmente em preto em branco, além de partes em 16mm. Todos estes recursos foram usados com perfeição e são justificados a cada movimento de câmera.
O que me falta em palavras para descrever a obra, sobra em empolgação. Tabu é parada obrigatória para todos que se dizem fãs de cinema. O trabalho de Miguel Gomes é a prova viva de que perfeição técnica e poesia podem caminhar lado a lado sem problemas.