Deveriam as premiações começar a ter categorias neutras de atuação?
Em agosto, o Gotham Film & Media Institute, responsável pelo Gotham Awards, premiação de cinema independente, anunciou que seus prêmios de atuação não serão mais definidos por gênero. Assim, as categorias de melhor ator e melhor atriz serão nomes para melhor desempenho principal e melhor desempenho secundário.
Pode parecer desnecessário ou até “frescura”, como diriam alguns. Mas essa mudança vai direto ao princípio de que as premiações de indústria acreditam refletir as mudanças da sociedade. O próprio streaming sendo cada vez mais abraçado pelas premiações é um indício disso. Se a forma como assistirmos às produções mudou, por que não mudaria a forma de também reconhecê-las? O mesmo pode também dizer sobre os astros.
Em 2020, o mundo passou a conhecer Emma Corrin. Não à toa, pois foi nome que ficou por trás de desempenhar o papel de Lady Di na quarta temporada de The Crown, badalada série da Netflix. Altamente aclamada, a atuação de Corrin lhe rendeu um Globo de Ouro e um prêmio da crítica, além de ser barbada na disputa do Emmy na categoria de melhor atriz em série de drama. Na última semana, a intérprete da Princesa Diana, Corrin, se assumiu como pessoa não-binária.
Segundo seu Instagram, Corrin utiliza os pronomes she/they (ela e elas/eles — sem tradução em português. No entanto, é importante ressaltar a informação, já que vamos chamá-la por meio do pronome feminino na terceira pessoa do singular, seguindo sua vontade). Ela não é a única concorrente do Emmy que se identifica como pessoa não-binária. Indicado na categoria de melhor ator coadjuvante em série de comédia, pela hilariante Hacks, da HBO Max, Carl Clemons-Hopkins também se assumiu recentemente identifica como pessoa não-binária. Entretanto, Clemons-Hopkins, utiliza os pronomes neutros they/them, em inglês.
O termo não-binário é utilizado por pessoas que não se identificam nem como homens, nem como mulheres. Algumas celebridades como Demi Lovato e Sam Smith também se identificam com este rótulo. Asia Kate Dillon também. Kate Dillon, mulher designada ao nascimento, anualmente se submete ao Emmy pela série Billions na categoria de melhor ator coadjuvante em drama, pois, para elu “a palavra ator designa um termo neutro, enquanto a palavra atriz, não”, em entrevista ao The Washington Post, em 2017.
Se premiações parassem de delegar prêmios de atuação a atores e atrizes, “confusões”, como esta, certamente chegariam ao fim. O Grammy, por exemplo, um grande prêmio dado aos artistas da indústria fonográfica, extinguiu categorias de gênero. Assim como o prêmio da MTV, o MTV Movie and TV Awards. Outro exemplo, o Television Critics Association Awards, que não divide categorias de performance por gênero, aliás, que nunca o fez, há mais de duas décadas, nunca teve problemas com a tarefa.
No Oscar, inclusão é um tópico ainda mais complicado. Por exemplo, se formos analisar em termos de raça, com mais de 91 edições, Halle Berry, até hoje, ainda é a única mulher de cor a ter uma estatueta de melhor atriz em casa. Ela ganhou um Oscar em 2002 por A Última Ceia. Enquanto atores assumidamente trans ou não-binários, o registro ainda é mais difuso. Lucas Hedges, indicado a melhor ator coadjuvante por Manchester à Beira-Mar (2017), se assumiu queer, embora seja homem cisgênero.
Já Elliot Page, em 2007, foi indicado na categoria de melhor atriz pelo papel em Juno. Page se assumiu homem trans no final de 2020. Mas não há muitos astros no cinema assumidamente LGBTQIA+ que façam sucesso comercial e crítico ao ponto de chegar ao Oscar.
O mais interessante da mudança do Gotham Awards é uma transição com a finalidade de inclusão, pois, se olharmos para algumas décadas — não tão distantes assim —, atores estavam “no armário” com medo de perder oportunidades e a carreira ao expôr suas verdadeiras identidades. Hoje temos uma indústria mais inclusiva? Em partes, sim. Mas ainda é necessário que certas tradições, especialmente aquelas banhadas em ouro, se desdobrem ainda mais para as mudanças que felizmente estão a caminho.